Antropofrei
Experimento cênico de teatro de rua antropofágico
ESPETÁCULOS
9/24/20169 min read
o processo
após Anamnese fomos contaminados pela compreensão contemporânea atribuída por José Celso Martinez Corrêa ao movimento antropofágico de Oswald de Andrade, nós da Santa percebemos a relevância e a potência artística contidas no movimento e estabelecemos com ele o que seria o fio condutor de um novo projeto da Cia.
verticalizamos a Antropofagia
em julho de 2015, demos início à primeira fase do processo, com pesquisa e encontros teóricos para esclarecer o que seria a antropofagia para a Santa Companhia e que tipo de produção poderia vir à tona a partir desse fio condutor. fomos à raiz da palavra e principalmente a partir de produções com o viés antropológico, buscamos entender qual era o lugar da antropofagia desde os rituais tupinambás até o movimento cultural da Tropicália (anos 1960), passando pelas importantes contribuições do movimento antropófago da década de 1920.
a pesquisa nos permitiu vislumbrar alguns dos conteúdos que gostaríamos de trazer à tona, por exemplo, a crítica à opressão patriarcal, seus “maridos católicos suspeitosos”, seus “importadores de consciência enlatada” em prol de um “matriarcado de pindorama”. além de suscitar conteúdos, a pesquisa também nos fez perceber que, nossas futuras (a)presentações não poderiam acontecer em um palco italiano, em uma caixa preta “cheia de bons sentimentos portugueses” como havíamos feito em Anamnese. para a execução do novo projeto, teríamos de fazer o carnaval acontecer, sair da caixa e ocupar o espaço urbano.
dentre os possíveis não lugares que a cidade de São Paulo, residência dos integrantes da Cia, oferece, deparamo-nos com a Rua Frei Caneca. spaço de contrastes, onde convivem pessoas em situação de rua e proprietários de imóveis num dos endereços mais caros da cidade. via urbana que também é reconhecida popularmente como ícone da visibilidade LGBT, num país que foi palco de 312 mortes associadas à homo e transfobia em 2013 . rua que é, apesar de tanto potencial para a geração de conteúdos e mesmo fazendo esquina com a Avenida Paulista, pano de fundo para diversos artistas de rua, não é tão contemplada artisticamente quanto a sua transversal.
os conteúdos gerados tanto pela Frei quanto pela Antropofagia começavam a se materializar em forma de personas que viriam a compor a encenação. a Tradicional família brasileira composta pelo modelo binário de pai e mãe que lutam para a conservação do status quo, da moral e dos bons costumes que concernem à tradição do patriarcado. O Antropófago que representa o pensamento oswaldiano permeando as relações durante a peça. o Frei Caneca que transita entre o Frei carmelita, personagem do texto dramático o auto do frade e a própria rua que leva o seu nome. os Carroceiros que entram como uma proposta de trazer aos olhos os que vivem na invisibilidade das calçadas dessa rua. e, por fim, Cora/Perséfone, personagem transexual que suscitará a crítica à cisnormatividade, e representa a corporificação da primavera.
as personas existiam, o palco e os conteúdos já haviam sido destacados e discutidos, entretanto a forma, a linguagem com a qual trabalharíamos não poderia ser o drama burguês, com estrutura aristotélica, e relação causal tão clara entre cenas. além disso, o simples fato de estar na rua demandava uma expansão da forma com que o discurso chegaria ao público. Nesse sentido, remontamos ao passado ritualístico do teatro grego e à ideia de um grande coro tragicômico que sustentasse a presença das personas, as quais cada qual em seu momento, se tornariam corifeus. esse grande coro seria dotado não apenas de voz falada, mas apoiados na própria identidade de linguagens híbridas da Cia., a música agregou-se ao coro naturalmente.
as decisões que se seguiram vieram no que concerne a escrita da dramaturgia e as opções cenográficas que faríamos. optamos por compor a dramaturgia a partir das experiências práticas da segunda parte do processo (iniciada em fevereiro de 2016), através de jogos teatrais, em uma escrita coletiva de cenas independentes. Para a cenografia, decidimos condensar os signos visuais em uma carroça alegórica, que, conduzida pelos Carroceiros, servirá tanto de apoio para as cenas, quanto para instrumentos musicais e materiais técnicos demandados pela encenação, conferindo-nos maior mobilidade e possibilidade de deslocamento por pontos de cena no decorrer da rua.
foi no Sábado Pensativo que demos início ao contato com a rua y é em Antropofrei que verticalizamos essa relação.
na fase de jogos y composição em 2016 passamos por muitas situações na rua. tem hora que ela nos acolhe, tem hora que ela nos espanta. tendo em vista o que queríamos fazer percebemos que a proposta original - de fazermos um teatro itinerante na rua Frei Caneca - já não cabia mais. foi então que fazendo uma deriva artística pela cidade encontramos com a Praça dos Arcos, que prontamente nos acolheu. tanto em seu spaço público, quanto as instituições que têm ao seu redor.
neste momento a Santa Companhia contou com o apoio de uma antiga parceira Small World e com novas, como a Rede Biroska, a UNESP y o Museu da Diversidade. no entanto precisávamos de mais recursos para materializar nossa nova criação. foi então que fizemos duas festas, a Antropomystica y a Mantra das Carontes para levantarmos fundos para nossa realização.
o processo de construção de Antropofrei levou cerca de um ano, desta vez dirigido por Rafael Abrahão y Raul Moraes y com Loli Consalter y Juliana Gotz na direção musical. por sorte, y que sorte!, encontramos a Praça dos Arcos próxima dali, onde realizamos as apresentações do que chamamos de espetáculo-manifesto. manifestávamos coletivamente temas que nos tocavam.
em nosso segundo espetáculo, a Cia. Nada Pensativo verticalizou a pesquisa, nesse sentido o espetáculo Antropofrei se apropria do interesse pelo que não é meu, para devorar e regurgitar temas que perpassam as integrantes e os integrantes do grupo. Intolerância religiosa, situação política política atual, invisibilidade social, machismo, transfobia e homofobia, são assuntos que caíram em nossos pratos e que tentamos, após um ano de mastigação, oferecer em praça pública numa proposta de degust(ação).
histórico
Temporada na Praça dos Arcos (Av. Paulista) de setembro à dezembro de 2016
sinopse
da Grécia ao Pindorama. Do Pindorama a São Paulo cosmopolita. Dionísio está entre as figuras que habitam a Frei Caneca. Um carroceiro surge com sua carroça, com seu ganha-pão, com seu carro alegórico.
das realidades visíveis e invisíveis, a ocupação artística teatral torna evidentes os conflitos entre tempos. Os valores estão em constante digestão e a rua que carrega o nome do frei carmelita encontra-se no limiar entre o sagrado e o profano, o tabu e o totem. A carroça abre caminho a um coro de bacantes pensativas, que devoram e são devoradas pelo espaço urbano celebrativo do Ser Brasileiro em sua antropofagia.
rezo - poema
Para que Empodere seja o inverso
De todo poder forçado a nós.
Em cada grito enunciamos:
Cansadas estamos!
E com ímpeto,
Rogamos a nós nossas bênçãos:
As mal amadas, estupradas, dopadas, violentadas,
algemadas, injustiçadas, veladas, castigadas.
Putas! Todas putas!
Pois é sem hora.
Agora, todo mal verterá por nossas antigas e calejadas mãos.
Sangraremos o rio do mundo até nosso conhecimento fluir.
Nossa subjetividade aflorar e expandir,
E todas sermos unas,
Deusas e rainhas,
Mulheres de todos os cantos, cores e formas:
Com útero, com pinto, sem peito, com pelos.
Vocês verão florescer nossos mundos!
Laís Silvestre
Cidade Árida
Rua mera passagem
Olhares efêmeros
Relações líquidas
Organismos secos.
Nó na garganta
Na avenida paulista sentido paraíso
Ouve-se um grito à esquerda
Frei à-borda Caneca trans-borda.
De dia gravatas rezam ao capital
De noite escapam filas a falos
Sampã pã pã Pan
Pangeia cultural
Brota uma flor no asfalto
Primavera
Antropofrei.
Ficha Técnica
Atuadores: Angelo Aleixo, Caio Megiato, Carô Calsone, Caroline Consalter, Giulia Valente, Heri Brandino, Juliana Gotz, Rafael Abrahão, Rafa Pinheiro, Raul Moraes, Sofie Dijor, Vitor Marques y. Vitória Fava
Produção e direção cênica: Rafael Abrahão y Raul Moraes
Direção Musical: Caroline Consalter y Juliana Gotz
Assistência de direção musical: Heri Brandino
Direção de arte: Vitória Fava
Direção de comunicação: Caio Megiato
Assistência de Cena: Marte Ars
Apoio: Laís Silvestre
Arte gráfica: Marina Liz y Vitória Fava
Tesouraria: Angelo Aleixo, Arthur Rizzo y Juliana Gotz
Audiovisual: Chiara Sengberg, Gabriel Zanelato y Rafaela Franco
Cenotecnia: Bruno Moretiene, Maria Cordeiro y Vitória Fava
Arquitetura cênica: Bruno Moretiene, Gabriel Lisboa
Assistência de cenário: Seu Luís (UNESP)
Técnico de som: Rafael Segeti
Figurinos: César Dante
Costura: Benedita Calistro
Coreografia: Caio Megiato
Dramaturgia: Santa Cia.
Agradecimentos especiais: Alemão (ferreiro da carroça), Carminda Mendes André, Davi Brandão, Francis Silva, José Eduardo Faria, Paula Caju, Priscilla Abrahão
Agradecimentos aos doadores da Kickante: Alexandre Nomura, Amanda Navarro, Aparecida Ventura, Barbara Belatini, Caio Pasqualini, Carlos Henrique Megiato, Célio Alves Pacheco, Claudia Cristina Fiorio, Diogo Inácio Dias, Dora Megiato, Felipe de Moura Xavier, Gabriele Salyna, Geovane Carlos Rega, Joanna Lis, José Eduardo Faria, José Walter Marchiotti, Laura Salerno, Letícia Junqueira, Lisa Werebe, Matheus Bueno Dias, Marcia Abrahão, Marcia Belatini, Maria do Carmo Faria, Marina Mello Andrade, Murilo Cassimiro, Nathália Mercadante, Nelson Stefanelli, Pedro Palma, Pedro Ricardo de Souza Carvalho, Priscilla Abrahão Faria, Rafael Baloni Andrade, Roberto Santos de Oliveira, Rosa Maria Abrahão, Saimo Hernendez Calmanovici Pigari, Valter Megiato, Vinícius Lisboa, Wilson Finardi, Yanyara Volpato
Apoio: Small World, Unesp, Museu da Diversidade, Rede Biroska
Em Santa Companhia
Angelo Aleixo
atuador
Arthur Rizzo
tesoureiro
Bruno Moretiene
cenógrafo
César Dante
figurinista
Caio Megiato
atuador
Careaux Calsone
atuadora
Caroline Consalter
diretora musical y atuadora
Gabriel Zanelatto
fotógrafo
Juliana Gotz
diretora musical y atuadora
Giulia Valente
atuadora
Heri Brandino
atuador
Marte Ars
assistente de cena
Rafael Pinto
atuador
Marina Liz
artista gráfica
Rafael Abrahão
atuador y diretor
Rafael Segeti
técnico de som
Rafaela Franco
fotógrafa
Sofie Dijor
atuadora
Raul Moraes
atuador y diretor
Vito Fava
atuador
Vitor Marques
atuador